Conservação, Preservação e Restauro
Conservação de documentos com suporte em pergaminho
O pergaminho como suporte para a escrita
Embora o pergaminho encontre as suas origens nos povos nómadas da Ásia Menor, a palavra pergaminho deriva da cidade de Pérgamo (hoje Bergama, Turquia). Segundo alguns autores esta cidade está ligada à invenção do material e segundo outros ao aperfeiçoamento do seu fabrico e à produção em grande escala a partir do século II a.C.
O pergaminho obtém-se principalmente a partir da pele de cabras, de ovelhas e de vitelos, embora também o haja em pele de outros animais. A sua preparação consistia em remover a pele de animais acabados de expirar. Esta era lavada em água corrente, submetida a um banho prolongado com água de cal para facilitar a raspagem dos resíduos de gordura e pêlos, voltava a ser imersa em água de cal e por fim esticada num bastidor para secar ao sol. Seguiam-se vários ciclos de molhagem e raspagem até obter a espessura desejada. A pele recebia depois o acabamento final que podia ser um polimento com gesso ou pedra-pomes. Até ao séc. XIII d.C. o pergaminho era fabricado principalmente nos mosteiros. Mais tarde o seu fabrico foi elevado a ofício, criando-se o respectivo grémio.
Apesar do processo de manufactura ser longo e a matéria-prima dispendiosa, o pergaminho ofereceu novas possibilidades devido à sua durabilidade e funcionalidade – os documentos podiam ser dobrados e cozidos, formando livros; podiam ser escritos em ambos os lados e os erros corrigidos, raspando a pele. Estas características deram origem ao aparecimento do códice.
Em termos físicos, o pergaminho pode ser descrito como uma pele semicurtida, apresentando duas faces que correspondem à epiderme e à derme. A epiderme é a face exterior da pele onde se implantam os pêlos; apresenta normalmente uma tonalidade amarelada e lisa ao tacto. A derme corresponde à face interior da pele, apresenta uma textura fibrosa e uma cor mais clara, e é geralmente nesta face que os documentos são escritos.
Natureza e propriedades do pergaminho
O pergaminho é formado principalmente por feixes de colagénio. As proteínas que constituem o colagénio, têm uma sequência de aminoácidos específica cuja composição e respectiva estrutura básica varia de espécie para espécie. As ligações químicas intermoleculares são responsáveis por algumas das características predominantes no pergaminho, como por exemplo a elasticidade. As proteínas constituintes do pergaminho podem precipitar ou desnaturar quando o pergaminho perde todas as suas reservas aquosas. Isto pode acontecer por acção de calor elevado e prolongado em conjugação com uma humidade relativa (HR) baixa, podendo observar-se então um encarquilhamento intenso. Neste processo as fibras de colagénio perdem as ligações que estabelecem com a água e incapazes de re - hidratar, retraiem. Quando acontece o contrário (subida da HR), há saturação com moléculas de água, transformando o material em gelatina – podendo acontecer a decomposição do pergaminho por hidrólise. Qualquer um destes processos é irreversível.
As duas faces do pergaminho reagem de forma diferente devido a uma ligeira diferença na organização das fibras. Por isso a superfície do lado da derme (menos densa devido a uma menor compactação das fibras), absorve mais a humidade, e é mais sensível à abrasão. As poeiras depositadas tendem a entranhar nas fibras, sendo depois impossível de as remover por processos mecânicos durante tratamentos de conservação. Por outro lado, a face do lado da epiderme (mais densa por ter maior compactação de fibras) tem superfície brilhante e é ligeiramente resistente à humidade. Devido a estas características o lado da derme costuma ser o escolhido para a escrita visto que absorve melhor a tinta, enquanto que o lado da epiderme é geralmente utilizado como cobertura nos livros visto que oferece maior protecção.
Principais factores de degradação do pergaminho
O pergaminho é bastante sensível à temperatura e à humidade do ambiente. Devido ao seu processo de manufactura este material fica quase sem resistência à água, alterando a sua estrutura e dimensão quando exposto a flutuações de HR no ambiente. Assim, quando a HR é elevada as fibras do pergaminho expandem e este fica ondulado, podendo até assumir um ar translúcido. Para uma HR baixa as fibras contraem, o que faz com que o pergaminho comece a enrolar as pontas. As duas situações provocam deformações físicas. Numa situação mais grave a diminuição da HR provoca a desidratação da pele, que fica rígida e perde elasticidade, acabando por fissurar.
Alguns pergaminhos podem revelar-se ligeiramente ácidos, embora seja raro encontrarmos exemplares com este problema devido às substâncias alcalinas usadas na sua preparação. Esta acidezpode surgir devido à aplicação de produtos inadequados numa intervenção de restauro, por ataques de micro organismos ou por influência de forte poluição atmosférica. Mas o mais comum é a acidificação associada a uma manufactura defeituosa, verificando-se uma degradação interna causada pelas alterações químicas dos produtos usados.
No entanto a deterioração física mais grave provém, sem qualquer dúvida, do manuseamento, acondicionamento e armazenamentoincorrectos. Destas situações ocorrem rasgões, cortes, inscrições com substâncias irreversíveis, vincos e dobras que podem pôr em causa a estabilidade física do documento ou conduzir à sua perda definitiva.
A deterioração biológica ocorre com a presença de roedores e insectos que normalmente são atraídos não pelas qualidades nutricionais do pergaminho mas por materiais que podem estar armazenados no mesmo local ou que façam parte do documento composto. Podem ainda ser atraídos por deficientes condições de higiene nos locais de armazenamento. A deterioração microbiológica surge pela presença de microrganismos (fungos e bactérias) causando danos extensos e de difícil controlo num acervo documental.
Regras de manuseamento
O pergaminho, devido à sua manufactura, é um suporte que pode apresentar teores de alcalinidade muito elevados pelo que devemos sempre proteger as mãos com luvas de algodão. Por outro lado as mãos têm gordura, sais e enzimas que prejudicam o pergaminho, pelo que um manuseamento contínuo provoca o aparecimento de manchas de manuseamento.
Procedimentos de intervenção
Técnicas de higienização, é importante que as poeiras depositadas à superfície sejam removidas para que esta sujidade não migre para o interior. sujidade superficial é desalojada com um pincel macio de forma a causar a menor abrasão possível. O pincel deve percorrer suavemente a superfície do documento para que as partículas de poeiras não raspem ou se alojem nas fibras do pergaminho.
A higienização é a limpeza superficial de um documento. É uma das operações fundamentais da conservação. Aquilo a que chamamos de sujidade é na realidade poeiras de vários tipos (fuligem, partículas de pele e cabelos, areias, fibras têxteis, esporos de fungos, sais, etc.). Sendo o pergaminho um material muito higroscópico.
Técnicas de limpeza
A limpeza a seco, sendo cuidadosa ajuda a melhorar o aspecto do documento e a prevenir a deterioração. Qualquer limpeza independentemente da suavidade aplicada afecta o objecto. A limpeza a seco implica a utilização de um abrasivo que é a borracha. A sua utilização deve ser moderada e pontual e restringir-se as superfícies que se encontram em bom estado. Superfícies esfoliadas não devem ser limpas com este processo. A borracha destina-se a remover a sujidade que esta à superfície do documento mas agarrada as fibras.
Técnicas de desinfecção
Os fungos e as bactérias são organismos muito resistentes. Podem sobreviver em condições extremas, com pouca humidade, oxigénio e calor. Os esporos dos fungos (equivalentes a sementes) são praticamente indestrutíveis. Podem ficar em estado latente durante anos (como já aconteceu em túmulos egípcios) até terem condições propícias para se desenvolverem. O objectivo da estabilização de microrganismos é esterilizar o suporte neutralizando os fungos vivos e impedir o desenvolvimento dos esporos. Com esta operação estes entram em estado latente. Mas se o documento voltar a ser exposto a um meio ambiente de HR alta e principalmente de temperaturas elevadas, o esporo volta a “acordar”. A estabilização é por isso uma operação de efeito limitado. A desinfecção deve ser repetida três vezes frente e verso do documento. Como o documento fica bastante húmido pode-se aproveitar para tentar desdobrar alguns vincos do pergaminho.
Teste de solubilidade
Antes de iniciar uma desinfecção (ou qualquer outro tratamento que envolva líquidos), devem ser feitos testes de solubilidade a cada tinta (ou pigmento) presente no documento. Este teste permite saber até que ponto as tintas são solúveis na solução à base de álcool e água.
Acondicionamento
Um acondicionamento correcto constitui uma barreira de protecção para o documento, contribuindo decisivamente para a sua preservação. Salvaguarda ainda o documento do mau manuseamento, assegurando que todos os elementos estão protegidos e de fácil acesso. Um bom sistema de acondicionamento deve ser simples e eficaz.